A V Mostra do Samba de Saubara em 2019 homenageia três mestre do Samba de Roda que muito contribuíram para preservação desta manifestação. Um singelo reconhecimento da comunidade do Samba para Jelita, Vortinha e Lori.

Jelita – Samba das Raparigas
Filha e Oxum, carregava todas as suas características e funções. O rio era seu lugar preferido na água doce era seu lugar preferido. Com amor exagerado acolhia intimamente todos que se aproximava, sua beleza revelava a face mais atraente de sua orixá. De um jeito bastante peculiar
ajeitava tudo com palavras e ações de uma grande líder e quando vestia amarelo era ela a dona da riqueza. Nasceu no Catu uma comunidade formada por negros que fugiram da escravidão dos arredores de Cachoeira e de Santo Amaro. Desde cedo trabalhava na agricultura e pesca para
ajudar na criação de seus irmãos. Cresceu numa família rasteira e festejar era o que sabia fazer de melhor. Samba de Roba, Cheganca, Terno de Reis, Reisados, Ranchos, Bumba-Meu-Boi, Cantiga de Roda, Capoeira. Tudo isso era de seu universo. Foi dançarina do lendário grupo Cultural de Mestre Bimba, Madrinha da Cheganca Fragata Brasileira de Saubara, foi uma das
Mestras que colaborou com o processo de Registro Do Samba de Roda Obra Prima Da Humanidade, tema de diversos trabalhos acadêmicos (Katharina Doring, Claudia Lora), gravou dois CDs com o grupo Samba das Raparigas, participou dos documentários Cantador de Chula e Mulheres do Samba, foi uma das Mestras citadas no catálogo Sambadores e Sambadeiras da Bahia, citada na revista Afro-Brasilian Percussion Guide. Foi uma das Mestres que contribuiu e participou do Projeto de registro das Chegancas de Saubara “Eta Marujada”. O que seria da Marujada Saubara se não tivesse a participação de Jelita, como Exu abriu os caminhos dando ao grupo a visibilidade que hoje desfruta. No Samba de Roda cantava como se tivesse me dando um recado, melhor me dava sempre a mesma lição ” POR CIMA DO MEDO, POR CIMA DO MEDO, CORAGEM”. E é assim que sigo. Na rede do Samba era a referência de nossa comunidade para o mundo, com brilhantismo criou o Samba Mirim da Vovó Sinhá, destaque no meio cultural, incentivou a criação da Cheganca Mirim o que nos rendeu dois prêmios (Ministério da Cultura- Ponto de Memória e Secretaria de Cultura do Estado da Bahia- Pontinho de Cultura) Recentemente foi uma das 16 mulheres pesquisadas e teve uma pequena mas, valiosa parte de sua vida contada no material “MULHERES DO SAMBA DE RODA” um projeto que
tive a honra de coordenar juntamente com Luciana Barreto, o material mais importante que conseguir produzir nesses anos. Fica registrado sua opinião sobre problemas sociais graves de nossa sociedade. Saubara perde uma de suas grandes referência como Agente Cultural, Mulher Negra, Yalorixa, Mestra da Cultura Popular. Hoje fica tudo mais alegre no céu com Jelita é diversão na certa. Vai para sempre uma pessoa que só nos deixa momentos bons na lembrança.
Vortinha – Samba Raízes de Saubara
Vortinha, nasceu no dia 01 de março de 1959 e dez dias após completar seu 60 anos, ele nos foi arrancado de forma violenta. O Samba de Roda de Saubara sangrou quando soubemos da notícia de sua morte, foi atingido por tiros em sua residência na roça onde morava. A cultura popular sendo alvo da violência que assola os dias atuais. Antonio Carlos dos Santos era seu nome de batismo, uma das atuais referências do Samba de Roda de Saubara, colaborou fortemente para o desenvolvimento do plano de Salvaguarda do Samba, nos ensinou a cantar chulas, relativos, sambas corridos. Seu repicar de pandeiro jamais será ouvido mesmo que um daqueles que com ele aprendeu tente o imitar. Aprendeu a sambar com seus pais que desde cedo o levava para as rezas e carurus de São Cosme e Damião. Vortinha também era membro da Chegança dos Marujos Fragata Brasileira, tanto na chegança quanto no Samba era dono de uma voz diferenciada. Inicialmente era membro do Grupo de Samba das Raparigas e com todo a movimento que ocorreu com o Samba a partir de seu reconhecimento como Patrimônio da Humanidade criou o Grupo de Samba Raízes de Saubara. Com o Samba de Roda participou como mestre da Cartilha do Samba Chula, participou da gravação do primeiro CD do grupo das Raparigas, gravou o CD do grupo Raízes de Saubara e gravou para o projeto Mestre Navegantes, com a Chegança participou de inúmeros projetos dentre a gravação do CD do grupo, participou do catálogo e documentário Êta Marujada e também no Projeto Mestres Navegantes.
Mestre Lori – Samba das Raparigas
Florisvaldo Santos Vieira mais conhecido na comunidade como Lori, nasceu no ano de 1935 no distrito de São Tiago do Iguape município de Cachoeira, filho de Seu Inocêncio e Dona Maria Simão, sua infância foi vivida na roça uma localidade chamada Catu (um quilombo) onde inúmeras famílias se constituíram durante o período da escravatura, fugindo dos engenhos dos arredores de Santo Amaro e Cachoeira. Como quase todos que viviam no Catu sua família também migrou para Saubara onde ele constituiu família, teve quatro filhos dentre eles Professor Domingos Vieira o popular Reggo. Durante sua vida teve várias atividades, comerciante,
pescador, apicultor, mas foi a agricultura sua principal atividade. Seu envolvimento com o Samba de Roda acontece desde cedo, pois é descendente de uma família tradicional, seu pai era um exímio violeiro e animava as rodas de Samba na Saubara de outrora. Lori tocava um pandeiro de forma peculiar era adepto do Samba de Parada cantava uma chula como ninguém gostava de machucar no seu cantar:
Ê galo teimoso
Que canta fora de hora,
Galo não monta cavalo
Pra que galo quer espora?
Da boca a fora
Todo mundo quer dizer,
Mas o método do Samba
Ô rapaz
Você tem que aprender.
Lori participou da Gravação do cd do Grupo Samba das Raparigas no projeto Sambadores e
Sambadeiras da Bahia. Estava sempre disposto à um Samba. Contava suas histórias vividas na
roça com a alegria de quem encontrara no Samba sua maior felicidade.
Jelita, Vortinha e Lori se juntam a outros Sambadores e Sambadeiras de Saubara (Frazinha, Deco, Branca, Mundinho, Sinhá, Mário, Marcelo, Valentin, Janinha, Lourenço, Dijão, Ticande, Tatu, Rola, Gazimira, Nenem), que também partiram para o Orum e de lá nos veem Sambar. E se tem animação no Orum é o Samba feito por eles e elas.