Quem convive com esses marujos sabe que a bandeira da Chegança dos Marujos Fragata Brasileira é utilizada nas apresentações ou quando um dos seus participantes se vai. Hoje, 24 de março de 2016, a Fragata Brasileira ergue a bandeira para a despedida de sua madrinha, Joselita Moreira do Rosário. Dona Jelita. Zelita.
Nesse momento, quando nos faltam palavras, escolhemos revisitar as palavras dela. Separamos aqui para essa pequena homenagem, o perfil publicado no livro Êta, Marujada! Apenas um trecho, pequeno diante do tamanho da sua ligação com a Fragata Brasileira.
êta, marujada!
Joselita Moreira da Cruz Silva – Dona Zelita
“Os momentos mais importantes da vida de Dona Zelita se confundem com os da Marujada. Ainda jovem, vivia em Salvador e trabalhava em casas de família. Em uma das visitas a Saubara, para ver a sua própria família, assistiu a saída da Chegança na Festa do Padroeiro.
Decidiu que ia levar “a brincadeira” para Salvador. E assim Zelita o fez, mesmo contra a vontade da mãe. Tinha amigos influentes como Gilberto Sena e Nelson Araújo que puderam ajudar. Se houvesse na época a função de produtora cultural, empresária ou promoter cultural, um desses, provavelmente seria o “cargo” dessa mulher visionária.
Não foi fácil. Ela, mulher, negra e analfabeta, sofreu todo tipo de preconceito. Preconceito que veio dos que supostamente, eram os seus e poderiam estar lado a lado com ela. “Eu fui muito criticada. Diziam que com tanto homem na Saubara, nenhum tinha tirado a marujada daqui. Aí eu disse, está bem! E continuei fazendo o que eu achava que devia fazer. Aí, Eurico, disse, você pode levar a Chegança lá de cima, a de cá de baixo, não. Aí, arrumei tudo e fomos. A primeira vez, levei no Pelourinho, a segunda vez no Campo Grande, a terceira vez também e a 4ª vez levei na marinha, no dia 13 de dezembro”.
O grupo não cobrava cachê, mas, quando havia possibilidade, pedia em troca itens necessários à própria manifestação. “Fiz passeio para comprar calçado, fiz passeio para comprar roupa, fiz passeio, comprou aquele terreno”.
Zelita conta que os Marujos não queriam ir para Salvador, com medo da Marinha. “Aí, eu acertei com Cid Teixeira, que foi na marinha comigo, para pegar o papel, porque sem o papel, eles não viriam, ai ele bateu o papel, eu não me lembro do nome do almirante”.
As primeiras articulações devem ter acontecido no começo da década de 80, como mostram os recortes de jornal na época [ver álbum de recordações ao final da publicação], que inclusive traziam a previsão de que aquele grupo “não duraria mais 20 anos”.
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É remar contra maré
A brincadeira, com os olhos de hoje, soa inaceitável. Mas quando as mulheres da Chegança cantam essa música, parece que vem com um respiro especial. O pulmão fica mais cheio de ar. E a sensação que dá ao vê-las, de todas as idades é a de que elas dão um “olé” nisso tudo. Elas estão puxando a amarra de marcha a ré… olé, olé…
Essa inspiração está personificada na figura de Dona Zelita que, recentemente, foi reconhecida pelo grupo como madrinha da Fragata Brasileira. Foi uma conquista dela. E como boa madrinha, não poupa conselhos: “O poder público contribui muito pouco. Agora está sendo formada Chegança mirim e outra Chegança feminina. Tomara que a chegança mirim vá em frente, porque é outra forma deles terem amor, e já tem alguns meninos na chegança de adultos. E eu espero que não acabe, porque eu adoro essa brincadeira, você não sabe como eu sou apaixonada. Eu queria que os jovens se interessassem, para aprenderem, para não acabar, porque Rosildo está nessa chegança desde os três anos de idade e hoje ele luta tanto para essa marujada, porque é apaixonado por ela também”.